Clipagem CIRCO DO MATO




São 12 anos de história em que o Circo do Mato se dedica à arte de apresentar e representar emoções humanas, na rua, passando o famoso "chapéu", mas também em sua sede, que muitas vezes virou palco para os já experientes, os amadores, os profissionais, os novatos. Também recebeu exposições, mostras e muitas apresentações. Espetáculos como "Os Corcundas" já foram levados para além do Brasil, para outros países, emocionando e catalisando emoções em vários idiomas. Incansável tal qual o grupo, a produtora Laila Pulchério aceitou falar com o jornal Midiamax sobre a atual situação da cultura em Campo Grande, e como dois calotes seguidos afetaram o grupo, que jamais parou e produzir, e conforme a entrevista, continua nadando na maré da falta de investimento para a cultura. 
"Não vivemos de brisa", enfatizam os artistas. Laila, que é uma das responsáveis pela sede do grupo, e também por gerenciar a logística de espetáculos, produzir e dar todo auxílio que o grupo necessita, sempre de forma estratégica, assina embaixo dessa frase muito simples, mas de significado complexo. Embora muita gente pense que artista vive sem nada, ele precisa pagar as contas de existir em uma sociedade pautada pelo consumo, e o faz com a sua arte. Mas sem os investimentos públicos, muitos aprovados e exigidos pela União, e que simplesmente deixaram de ser pago, como se mantém viva a chama do espetáculo? O Circo do Mato, que segue há mais de uma década na luta, não desiste. Mas deixa claro que a luta é bastante árdua. Leia a entrevista com a Laila na íntegra. 
De um ano a dois anos para cá o que foi sendo construído no grupo Circo do Mato, quais projetos foram feitos e o que foi renovado no trabalho do grupo?
O que foi muito importante para o grupo é mais alguns dos nossos concluíram o curso superior, se qualificaram mais e isso é muito bom. Mas infelizmente no todo, as coisas não ficaram melhores, a situação da cultura no município, no estado e no país está seriamente comprometida. Alguns projetos nossos que haviam sido selecionados por editais públicos, não foram pagos. Com isso, sem trabalho certo, alguns optaram em se afastar, se desligaram do grupo para dedicar-se a outros trabalhos, onde as condições são mais estáveis financeiramente, e outros ainda foram buscar novos conhecimentos fora, situações totalmente compreensíveis e aceitáveis. Ainda dependemos muito de incentivo financeiro, conseguimos produzir muita coisa sem ele, mas por tempo limitado ou ações menos impactantes à população. Em 2014 realizamos com subsídios da FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul) e da Funarte (Fundação Nacional das Artes), projetos importantes como a Pantalhaços – Mostra de Palhaços do Pantanal, onde trouxemos figuras importantes do cenário cultural nacional e internacional, oportunizamos apresentações de grupos locais e formação artística através das oficinas e contemplamos o público com uma programação extensa e gratuita. Ainda em 2014 montamos e apresentamos “Navalha na Carne” de Plínio Marcos. Outro projeto muito importante para nós foi a I Mostra Cênica do Vale do Ivinhema, realizado em Nova Andradina em parceria com produtores e artistas locais. Também participamos de Festivais em Bonito, Goiânia e na Argentina. Outro projeto que muito nos encantou foi o “Entorno do Centro”, onde levamos o espetáculo “Um Pé de Circo”, produto do nosso Ponto de Cultura, para pequenos municípios e distritos em torno de Campo Grande, enfim, produzimos bastante. Desde 2015, sem recursos, precisávamos sustentar nossa sede e mantê-la funcionando, promovemos atividades menores, oferecemos algumas oficinas, fizemos outras, recebemos algumas apresentações de outros grupos, como o Lume de Campinas, este numa parceria com a UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). 
Como ficou a situação do grupo sem verbas nem auxílios em 2015?
Tentamos garantir minimamente nosso trabalho, mantendo treinos e intervenções artísticas que oferecemos para eventos, como casamentos, formaturas, aniversários, empresariais. Neste ano de 2016 apresentamos a peça “Os Corcundas” de Breno Moroni, por ocasião do 28° Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua na aldeia urbana Água Bonita, também em dois municípios e dois distritos pelo Circuito Sul-mato-grossense de Teatro e ainda no projeto Teatro Bar Valu e no 1º Encontro de Teatro entre crianças. Fizemos parceria com outros grupos circenses do estado para termos um produto único e podermos assim participar de festivais e outras apresentações, tudo isso é muito importante, mantemos o trabalho vivo. 
 
A cultura em Campo Grande vive um momento muito estranho, sem apoio do poder público. Ainda restam uns poucos eventos mais do governo, como os festivais, e eles nem são realizados em Campo Grande. A cultura tomou um segundo calote do FMIC esse ano. Como isso reflete no trabalho de vocês?
Sim, a classe artística em geral está sofrendo muito, somos pouco vistos pelo poder público e tampouco respeitado, muito pelo contrário. Os eventos que ainda são realizados são os estaduais, assim mesmo com atraso, com isso já perdemos 1 ano, o que é muito, visto que os editais e festivais são anuais. Em Campo Grande está tudo parado desde 2014, levamos um calote. Só na edição 2016 do Fmic (Fundo Municipal de Incentivo à Cultura) e Fomteatro (Programa Municipal de Fomento ao Teatro) são 70 projetos culturais que não chegarão à população gratuitamente ou a preços populares caso a FUNDAC não faça os repasses. São apresentações de teatro, circo, dança, música, eventos culturais, formação e novas produções artísticas a serem realizadas. Ainda tem pessoas que pensam que com incentivo público estamos “mamando nas tetas do governo”, um pensamento equivocado e triste. Para estes, é bom que saibam que qualquer produção cultural demanda muito trabalho, dedicação diária, é trabalho como qualquer outro, exige qualificação profissional. Esses editais incentivam, mas não cobrem todas as despesas de uma boa produção cultural, e com eles nos mantemos minimamente, mas mesmo pequeno, são ainda essenciais e necessários. São projetos que geram emprego não só para os artistas e produtores, mas também move toda uma cadeia produtiva, contratamos profissionais de várias áreas, além dos artistas, são técnicos, designers gráfico, gráfica, estúdios, fotógrafos, assessoria de imprensa, e vou mais longe, os próprios ambulantes que se instalam em um evento cultural. Estão todos trabalhando e gerando renda, grupos de trabalhadores que tem a oportunidade de desenvolver seu trabalho e prover renda para si e suas famílias. Para montarmos um espetáculo, por exemplo, levamos em média dois ou três meses de trabalho, ainda tem a pré e pós-produção. Assim como o governo investe na saúde, educação e segurança, investir na arte é também importante; inclusive, através da arte, muitos dos problemas dessas áreas são amenizados, temos experiência com isso. Essa situação reflete e muito no nosso trabalho, por que, no caso do Circo do Mato e alguns outros grupos, temos uma sede e as despesas que todo mundo tem para mantê-la, de todo recurso que recebemos uma parte é destinada para manutenção e sustentação da sede. Nesses últimos anos as coisas estão piores, bem piores. Alguns de nossos artistas desistiram, por que, não “vivemos de brisa” e precisamos também nos manter pessoalmente, então cada um foi buscar outro trabalho; com isso o trabalho do grupo fica comprometido. Quanto a outro calote da prefeitura, a classe artística é insistente e ainda guardamos a expectativa de recebermos sim, pois acompanhamos a gestão municipal e sabemos que há condições sim, falta vontade política, atitude.
 
Quais ações vocês realizam para manter o trabalho ainda em prosseguimento?
Este ano tivemos a sorte de formar mais uma parceria com o CICA (Centro de Integração da Criança e do Adolescente) que é também um Ponto de Cultura, atende crianças e jovens em vulnerabilidade social, já somos parceiros há muitos anos, com ou sem recurso, mas este ano o CICA firmou um convênio com o governo do Estado e nos contratou para levarmos uma oficina de circo para lá que atende 80 crianças e jovens. Parte do recurso que recebemos por este trabalho nos ajuda a manter em dia algumas despesas da sede. Para manter cada um de nós, estamos todos trabalhando em outros locais também, além de alguns trabalhos artísticos pontuais, é fácil entender que no grupo as coisas ficaram menos intensas, pois não tem sido possível mais uma dedicação exclusiva. 
Vocês tinham alguma coisa no Fmic de 2014 e também no desse ano? Como fica essa questão?
Sim, em 2014 nós tínhamos 2 projetos onde participaríamos diretamente, um deles previa a publicação do registro e memória dos então dez anos do grupo, ações de formação, qualificação e pesquisa do coletivo e ainda montagem e apresentação de espetáculo. O outro seria realizado com as escolas, alunos adultos e professores, nenhum aconteceu. Estamos sempre na luta pela garantia de nossos direitos, e quando digo, estamos, falo de vários artistas e produtores culturais, como os envolvidos no SOS Cultura e também os Fóruns Estadual e Municipal de Cultura. Porém, os interesses políticos ou a falta deles está mais uma vez, colocando tudo a perder. Sabemos todos que o prefeito Bernal sofreu um golpe e com isso não só ele, mas toda população sofreu muito, e devo dizer que os artistas foram os primeiros a se mobilizar contra o que aconteceu naquela época. Seria muita irresponsabilidade desta gestão abrir novos editais culturais sem a garantia do pagamento, seguimos todos um rito até sermos selecionados, com muita dificuldade honramos nossas dívidas para apresentarmos as certidões negativas (exigidas pelo edital), inclusive da própria prefeitura. E agora, mais uma vez, somos surpreendidos com a notícia de falta de verba para esse fim?! Não, não está certo! A última notícia recebida pela classe é que a prefeitura depende da devolução do duodécimo por parte da Câmara de Vereadores para poder nos pagar, nos impõem agora esta situação, não somos nós que temos que resolver isso, e “teoricamente” existe orçamento para a cultura sim. 
 
O teatro de rua tem a "vantagem" de, por não se passar dentro de grandes espaços como os auditórios e estúdios, de não precisar de uma verba maior para essa parte? É possível que o teatro de rua sobreviva acima de todas as crises financeiras?
Quase todos os trabalhos que fazemos são de rua, até por que nem sempre temos teatros para onde vamos, a rua é apaixonante, sempre traz surpresas. Produzimos de forma que a peça ou o espetáculo possa ser montado em qualquer lugar e no nosso caso, já com mais de 12 anos de grupo, temos uma boa estrutura e mesmo na rua, procuramos oferecer condições (estrutura) que valorizem o trabalho a ser apresentado e traga conforto para o público. Na rua só podemos contar com o tradicional “chapéu” (contribuição espontânea do público), o que mal cobre as despesas que temos com aquela apresentação e nós do Circo do Mato gostamos de levar nossos trabalhos para comunidades com menor poder aquisitivo. Quando os editais públicos financiam os trabalhos tudo que é levado ao público é gratuito ou a preços populares; inclusive isto gera debates e divergências de pensamento no meio artístico, por que oferecendo arte gratuita você acaba dando “tiro no próprio pé”, pois as pessoas acostumam a não pagar, por outro lado a gratuidade é nossa contrapartida ao financiador público, se não levarmos o trabalho gratuitamente, somos pouco vistos, se montamos um espetáculo por conta própria, entramos num teatro e cobramos ingressos, a bilheteria não custeia as despesas, assim gera uma situação complicada. Ninguém consegue manter seu trabalho, seu grupos ou sua sede sem caixa. 
 
Quais espetáculos vocês estão trabalhando atualmente? Como está a gestão e circulação deles?
Estamos trabalhando com “Os Corcundas” e com o “Poropopó Varieté”, este último não é um espetáculo só do Circo do Mato, somos três grupos circenses de Campo Grande reunidos, cada grupo apresenta 2 ou 3 números de seu repertório em uma única apresentação, esta foi uma forma de nos mantermos na ativa, fazermos um intercâmbio entre nós, cada um com suas características, seu modo próprio de fazer e produzir, desta forma, temos a oportunidade de trabalhar juntos, é sempre um aprendizado.  Com o "Poropopó Varieté" participamos da Semana do Teatro e Circo em abril passado, apresentamos por ocasião do 28° Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua e no Ocupa Iphan; depois, aumentamos o coletivo convidando outros dois grupos do interior do Estado, com estes apresentamos no Festival de Inverno de Bonito e no Festival América do Sul Pantanal em Puerto Quijaro na Bolívia e em Corumbá.     
 
Quais os projetos do Circo do Mato para 2017?
Estamos trabalhando numa montagem de espetáculo infantil, com estréia prevista para o início do ano; em breve vamos abrir oficinas de sapateado, circo e teatro também; oficina de fotografia, além de buscar parcerias com iniciativas privadas. Ainda queremos continuar a participar de festivais em outros países, este ano recebemos dois convites da Colômbia, um do Peru e um da Argentina, mas não conseguimos apoio para as passagens, para 2017 já temos novos convites, vamos tentar participar; considero isso muito importante, nossos trabalhos são muito bem recebidos fora do Brasil, algumas das vezes que viajamos, conseguimos apoio do Ministério da Cultura através do Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural, mas hoje, com o governo Temer, acredito que tudo será muito mais difícil, até extinguir o MinC ele já tentou, agora com a PEC 55 nossa angústia só aumenta, se hoje a cultura e arte “não são importantes” aos olhos dos políticos, quem sabe do futuro deste país?!  Nestes mais de 12 anos de fundação do Circo do Mato, agregamos muitos valores e bastante experiência, temos vivências incríveis e queremos continuar a colocá-las em prática, aperfeiçoando cada vez mais nosso trabalho e atendendo bem a população de qualquer classe social e de qualquer localidade; vamos continuar trabalhando e buscando fazer o melhor, momentos difíceis existem para todo mundo especialmente agora nesta conjuntura política, mas não vamos desanimar e sim encontrar novas formas, fazendo com amor o que gostamos e sabemos fazer, nos unindo a nossos pares, nos fortalecendo enquanto pessoas humanas e enquanto coletivo artístico-cultural. Nada como um dia após o outro, sigamos!
Foto: Larissa Pulchério













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